Sinto falta de mim, mas nem sei onde fiquei – e, antes de tudo, essa é uma frase que ecoa na mente de milhares de pessoas que, dia após dia, tentam sobreviver a um mundo que exige demais e entrega de menos. Em meio a listas de tarefas, expectativas alheias e cobranças internas, é fácil se perder de si mesma e continuar vivendo no automático.
Em que momento começamos a nos perder?
A princípio, ninguém percebe exatamente quando começa a se afastar de si. É um processo silencioso. Talvez tenha sido naquele dia em que você engoliu o choro porque “não era hora”. Ou naquela vez em que priorizou tudo e todos, menos você.
Em outras palavras, não existe um ponto de ruptura evidente – existe um acúmulo. Uma soma de silêncios não ditos, de vontades ignoradas, de sonhos deixados no fundo da gaveta. Pouco a pouco, aquilo que você era vai sendo sufocado pelo que esperam que você seja.
Por que nos chamam de fortes quando estamos exaustas?
Ainda mais doloroso é ouvir elogios como “guerreira” ou “incansável” quando, por dentro, tudo o que você queria era um colo, não uma medalha. Por isso, ser vista como forte nem sempre é um presente – às vezes é uma prisão.
Apesar disso, muitas de nós mantêm o sorriso, cumprem prazos, cuidam de tudo. Mas, ao mesmo tempo, vivem um esgotamento invisível. A mente gira, o corpo executa, mas a alma… essa apenas sobrevive.
Nesse sentido, não é fraqueza desejar cuidado e humanidade. É necessidade de conexão, de pausa, de respiro.
Como o excesso de responsabilidade afeta a nossa identidade?
Logo após acumular funções e obrigações, surge a sensação de estar apenas “funcionando”. Você acorda, resolve, entrega, ajuda, corre. Mas, no fundo, não vive. Não sente, sonha.
O excesso de tarefas simultâneas não apenas cansa – ele rouba a presença. Você está em muitos lugares, mas não em si. Já colocou açúcar no arroz, já esqueceu palavras no meio da frase, já olhou para o nada tentando lembrar o que ia fazer. E isso não é desatenção. Isso é sobrecarga.
Do mesmo modo, o cansaço constante desconecta você do seu prazer. Aquilo que antes te alegrava, hoje pesa. O livro virou obrigação, a academia se tornou mais um item da lista, o silêncio agora incomoda. Porque até o descanso virou culpa.
É possível voltar a ser quem éramos?
Em contrapartida, talvez a pergunta mais justa não seja “como voltar a ser quem eu era”, mas sim: “como me acolher na versão que sou hoje?”. A saudade de si mesma não precisa ser um retorno ao passado. Pode ser um convite ao reencontro – de um jeito novo, mais gentil.
Ou seja, não é sobre resgatar uma versão idealizada e perfeita, mas reencontrar aquela parte sua que sonhava, que ria sozinha, que fazia planos bobos e se emocionava com coisas simples. Aquela parte que você sufocou para caber nos papéis que te deram.
Por que sentimos culpa ao desejar espaço para nós mesmas?
Porque fomos ensinadas que amar o outro é sinônimo de se anular. E isso, definitivamente, é uma mentira perigosa. Amar o outro não deve custar a própria saúde emocional. Cuidar não pode significar desaparecer.
Por isso, muitas pessoas, especialmente mulheres, sentem culpa por dizer “não”, por descansar, por se colocar em primeiro lugar. Mas, como resultado, vivem exaustas, esgotadas, sem saber exatamente por que sentem tanto peso no peito.
Portanto, desejar tempo, silêncio e espaço não é egoísmo – é autopreservação.
Como dar os primeiros passos para se reencontrar?
Primeiramente, é preciso reconhecer: algo não está bem. Esse já é um passo gigante. Em seguida, permita-se parar. Nem que seja por cinco minutos. Respire. Sinta seu corpo. Escute seus pensamentos.
Logo depois, tente pequenas reconexões: um banho mais demorado, uma caminhada sem celular, uma música que te emocionava. Às vezes, o reencontro começa nos detalhes. E, aos poucos, você deixa de funcionar para, enfim, voltar a viver.
Além disso, fale sobre isso. Compartilhe. Nomear a dor é parte do processo de cura. Você não precisa carregar tudo sozinha. Outras pessoas, em silêncio, sentem o mesmo.
O que significa existir além das funções?
Significa lembrar que você é mais do que o que faz. Você é mais do que a lista de compras, do que o jantar, do que o trabalho. Você é sentimento, história, memória, desejo. É alguém que merece leveza.
Analogamente, é como uma música que ficou abafada por tanto ruído externo. Mas ela continua lá, esperando o volume do mundo baixar para ser ouvida novamente.
Sendo assim, parar não é fraqueza. É necessidade. É resistência contra um sistema que glorifica o cansaço e desumaniza o cuidado.
Concluindo,
Por fim, dizer sinto falta de mim, mas nem sei onde fiquei é um grito silencioso de quem está cansada de apenas funcionar. É o pedido sutil de uma alma que deseja voltar a habitar o próprio corpo, o próprio tempo, a própria essência.
Ou seja, não é preciso voltar inteira de uma vez. Talvez tudo comece com um simples: “Ei, eu tô aqui. E vou voltar para mim”. Isso já é o suficiente para iniciar o caminho de volta.
Portanto, se você se sente assim, saiba: você não está sozinha. Estamos juntas, tentando nos ouvir no meio de tantas vozes. E, mesmo que pareça longe, o reencontro com você mesma ainda é possível – um passo de cada vez.
Sou Betila Lima – Psicóloga
Formada em Psicologia desde 2007, com formação em Neuropsicologia, Terapia Cognitiva Comportamental, Terapia de EMDR e Brainspotting.
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