Páscoa, família e o desejo de menos tretas na mesa do almoço

Páscoa, família e o desejo de menos tretas na mesa do almoço

Páscoa é tempo de renascimento, mas também é tempo de encontros — e nem sempre esses encontros são fáceis. Antes de tudo, vale lembrar que muitas famílias se reúnem não apenas para dividir ovos de chocolate, mas também silêncios incômodos, mágoas antigas e comentários atravessados. Por isso, o desejo mais honesto de muitas pessoas nesta data não é por doces ou presentes, mas por paz.

Por alguns segundos, hoje pela manhã, fechei os olhos e pedi em silêncio: “Que esse ano o ovo de Páscoa chegue inteiro. E que a mesa esteja cheia de risadas — e não de ressentimentos disfarçados em ironias ou piadas ácidas.” Esse pedido pode parecer simples, até ingênuo, mas carrega o peso de muitas histórias familiares mal digeridas.

Páscoa, família e o desejo de menos tretas na mesa do almoço

Por que datas comemorativas reativam tantas tensões?

A princípio, tudo parece festa: mesa posta, pratos cheios, clima de celebração. Mas, em segundos, o ambiente pode mudar. Isso acontece porque encontros familiares mexem com camadas emocionais profundas — vínculos antigos, rivalidades mal resolvidas e expectativas não atendidas. Ou seja, não é só sobre o almoço em si, mas sobre tudo o que vem junto com ele.

Durante anos de escuta clínica e também de experiências pessoais, tenho percebido como as datas comemorativas podem se tornar campos minados. Isso significa que pequenas falas reabrem feridas, olhares desviados dizem o que as palavras não conseguem e o silêncio pode gritar mais alto do que qualquer brinde.

É possível transformar a experiência do almoço de Páscoa?

Apesar disso, quero acreditar que sim. Quero acreditar que, talvez, neste domingo, alguém olhe para o outro e diga: “Desculpa se fui duro com você no Natal.” Ou ainda melhor: “Vamos só jogar Uno e deixar a política pra outra encarnação?”

A Páscoa, na sua simbologia mais profunda, convida ao renascimento. E renascer não é apenas um ato individual. É também relacional. Em outras palavras, significa sentar à mesa com a intenção de ressignificar vínculos — e não apenas de manter tradições por obrigação.

O que a neuropsicologia nos mostra sobre esses reencontros?

A neuropsicologia aponta que reencontros familiares reativam áreas do cérebro ligadas à memória emocional, como o hipocampo e a amígdala. Isso explica por que, mesmo com anos de terapia ou distância, certas dinâmicas parecem se repetir automaticamente. O cérebro reconhece padrões antigos e responde como sempre respondeu.

No entanto, é justamente nesses momentos que temos a chance de ativar regiões associadas à empatia e à regulação emocional, como o córtex pré-frontal. Isso significa que, ao respirar fundo antes de responder ou ao escutar com genuína curiosidade, começamos a mudar o roteiro.

Qual pode ser o primeiro passo para criar novas narrativas familiares?

Nem todas as reconciliações são fáceis — e tudo bem. Às vezes, o primeiro passo é apenas estar presente com mais consciência. Talvez seja escolher não revidar. Seja não levar para o pessoal. Quem sabe, seja apenas perguntar: “Você quer ajuda para arrumar a mesa?” ou “Como você tem se sentido ultimamente?”

Ou seja, pequenos gestos podem plantar grandes sementes. Mesmo que ninguém mude. Mesmo que o almoço termine como sempre. Porque se, dentro de você, algo se moveu — então já houve renascimento.

Terapia ajuda a acolher o que a mesa revela

Para muitos, as tensões familiares se tornam gatilhos que despertam memórias dolorosas. Por isso, o acompanhamento terapêutico pode ser essencial. A Terapia Cognitivo-Comportamental, combinada com abordagens como EMDR e Brainspotting, oferece recursos profundos para lidar com emoções intensas despertadas nesses contextos.

Essas abordagens não apenas fortalecem a capacidade de autorregulação, mas também ajudam a ressignificar memórias afetivas antigas. Com isso, a pessoa deixa de reagir por instinto e começa a escolher como deseja viver seus laços — dentro ou fora da família.

Que Páscoa você deseja construir?

No fundo, todo mundo carrega uma criança interna que só quer ser aceita, ouvida, acolhida. Às vezes, ela grita com sarcasmo. Se cala no canto. Às vezes, ela só queria mesmo um abraço depois do almoço.

E se, neste domingo, você for a pessoa que oferece esse abraço? Que escolhe menos armas e mais almas? Que não precisa ganhar uma discussão, mas deseja abrir um espaço?

Essa é a minha Páscoa ideal. Aquela em que o afeto vence o orgulho. Em que o vínculo fala mais alto que o passado. E em que a esperança senta, finalmente, à mesa.

Sou Betila Lima – Psicóloga

Formada em Psicologia desde 2007, com formação em Neuropsicologia, Terapia Cognitiva Comportamental, Terapia de EMDR e Brainspotting.

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