Luto pela perda de um filho não é apenas sobre a dor da ausência. É uma ruptura profunda que atravessa a alma e desestrutura a identidade de quem fica. Nenhum pai ou mãe se prepara para enterrar um filho. A princípio, a vida parece construída sobre uma ordem natural: os pais partem antes. Quando essa lógica é quebrada, algo dentro também se quebra — silenciosamente, brutalmente.
Essa dor não tem nome. Afinal, o vocabulário falha: quem perde os pais é órfão, quem perde o cônjuge é viúvo. Mas quem perde um filho… se perde também?
O que o luto parental representa na vida de quem fica?
O luto parental é mais do que a ausência física de um filho. Ele atinge camadas profundas da identidade dos pais. Sonhos projetados, planos futuros, a função daquele filho na dinâmica familiar — tudo se desfaz em um silêncio que ecoa.
Em outras palavras, não é só a falta do corpo que dói. É a falta da continuidade, da história que deixou de acontecer, da rotina que não faz mais sentido. Muitos pais relatam a sensação de não saber mais quem são. Como se tivessem perdido, além do filho, uma parte essencial de si.

Por que o luto dos homens ainda é tão solitário?
Homens, em especial, vivem esse processo muitas vezes em silêncio. A sociedade ainda cobra deles contenção, força e racionalidade. Demonstrar fragilidade ainda é tabu. Consequentemente, muitos pais que perderam filhos não se autorizam a sofrer em público, nem sequer entre os seus.
Isso significa que o luto masculino tende a ser mais solitário, internalizado. Mas as emoções reprimidas não desaparecem — elas se transformam. Em muitas situações, se manifestam como dores físicas, adoecimento, insônia, agressividade ou apatia.
Segundo estudos da neuropsicologia, quando emoções intensas são sistematicamente reprimidas, o sistema nervoso entra em desequilíbrio. Isso ativa mecanismos de estresse crônico, que impactam diretamente o funcionamento do cérebro, do sistema imunológico e da saúde física geral. Ou seja, o luto silenciado adoece — em todos os sentidos.
Qual o impacto da sociedade que impõe pressa à dor?
Vivemos em uma cultura que valoriza a produtividade acima da elaboração emocional. O capitalismo, ao não abrir espaço para pausas, empurra as pessoas a voltarem rapidamente à “vida normal”. Mas não existe normalidade possível quando se perde um filho.
Além disso, há uma cobrança velada de que o luto tem prazo. Frases como “você precisa seguir em frente” ou “pense nos filhos que ainda estão aqui” são tentativas frágeis de conforto que, na prática, apenas invalidam a dor de quem sofre.
Entretanto, o luto não tem data de validade. Cada pessoa elabora a perda em seu tempo, com suas ferramentas. Negar esse tempo é perpetuar o sofrimento.
Como a psicoterapia pode ajudar na reconstrução da vida?
Buscar apoio psicológico não apaga a dor — mas pode oferecer espaço para que ela seja vivida com dignidade. Em especial, abordagens terapêuticas reconhecidas pela Organização Mundial da Saúde, como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), o EMDR e o Brainspotting, oferecem caminhos eficazes para lidar com a intensidade da perda.
Essas abordagens ajudam a elaborar sentimentos como culpa, impotência, raiva e tristeza profunda, que costumam surgir com força no luto parental. Além disso, permitem ressignificar memórias e criar novas possibilidades de existência, mesmo diante do vazio.
A neurociência mostra que, com apoio adequado, o cérebro consegue reorganizar-se emocionalmente, ainda que a dor não desapareça. Em outras palavras, é possível encontrar um modo de continuar — sem esquecer, mas também sem se perder por completo.
O que significa ressignificar a dor?
Ressignificar a dor não é diminuir a perda, nem “superar” o filho que partiu. É, na verdade, dar um novo lugar à ausência. É aprender a conviver com o que ficou, dar voz ao que se quebrou e, pouco a pouco, reconstruir a si mesmo com as peças disponíveis.
Isso pode significar criar rituais de homenagem, transformar a dor em ação (como movimentos sociais ou projetos que mantêm viva a memória do filho), ou simplesmente permitir-se sentir — sem pressa, sem cobrança, sem culpa.
Cada luto é único. Cada caminho é pessoal.
Qual a maior verdade que o luto parental revela?
O luto parental revela que o amor não morre com a morte. O vínculo permanece. A dor é o que resta do amor que ainda vive. E é exatamente por isso que precisa ser acolhida com respeito e tempo.
Definitivamente, quando um filho se vai, um pedaço dos pais também se vai. Mas isso não significa que não haja mais vida possível. Com ajuda, cuidado e apoio, é possível reconstruir uma nova versão de si — marcada pela ausência, sim, mas também pela presença de tudo o que aquele filho significou.
Se você passou por isso — ou conhece alguém que passou —, que esse texto seja o espaço que talvez a sociedade não tenha dado. Que seja a permissão para sentir o que for necessário. E, sobretudo, que seja um lembrete de que não há vergonha na dor, nem solidão que precise ser enfrentada sozinho.
Sou Betila Lima – Psicóloga
Formada em Psicologia desde 2007, com formação em Neuropsicologia, Terapia Cognitiva Comportamental, Terapia de EMDR e Brainspotting.
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