Amor que adoece não é amor — é silêncio imposto, presença sem espaço, cuidado sem retorno. À primeira vista, pode parecer dedicação, entrega, generosidade. Mas, aos poucos, vai revelando um desequilíbrio sutil e devastador: o de quem vive se doando até se perder de si mesma.
Durante muito tempo, aprendemos que amar é se sacrificar, ceder, esquecer-se um pouco para pensar no outro. Contudo, quando esse movimento se torna regra e não escolha, o que deveria ser afeto se transforma em opressão emocional. A pessoa deixa de existir como sujeito e passa a viver em função do outro, como se não tivesse história, desejo, ou até mesmo o direito de sentir.
O que a neuropsicologia nos diz sobre o amor que adoece?
Acima de tudo, é importante entender que o abandono de si não é inofensivo. Estudos de neurociência mostram que viver em constante estado de submissão emocional gera impactos profundos no cérebro. O aumento do cortisol, o hormônio do estresse, ativa constantemente a amígdala cerebral — estrutura ligada à vigilância e ao medo. Como resultado, o corpo permanece em alerta, gerando exaustão, ansiedade e depressão.
Ou seja, quanto mais alguém se anula em nome do “amor”, mais o cérebro entende que está em situação de ameaça. Com isso, as funções cognitivas se alteram: a memória piora, a concentração diminui, a empatia se esgota. A pessoa se torna uma sombra de si mesma, tentando sobreviver dentro de uma relação que suga, consome e nunca devolve.
Quando o amor que adoece começa a machucar?
A princípio, os sinais são quase invisíveis. Um comentário que fere e é ignorado. Um desejo negado. Uma necessidade reprimida. A rotina se ajusta ao outro, as prioridades mudam, e aquilo que antes era escolha vira obrigação.
Logo depois, o corpo começa a reagir: dores sem explicação, cansaço excessivo, insônia, crises de ansiedade. E a mente, cansada de resistir, silencia. Assim também, surgem sentimentos de inferioridade, desvalia e solidão, mesmo dentro da presença de quem se ama.
Isso significa que o amor saudável não exige sacrifícios constantes. Pelo contrário: ele sustenta, acolhe, dá espaço. Amar o outro não deveria exigir a morte de si.
Como a Terapia Cognitivo-Comportamental compreende essa dinâmica de amor que adoece?
Na visão da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), o amor que adoece está muitas vezes atrelado a padrões de pensamento disfuncionais. Ideias como “se eu não fizer tudo pelo outro, serei abandonada” ou “meus sentimentos não importam tanto quanto os dele” são crenças que perpetuam o ciclo de autonegação.
A TCC propõe identificar essas crenças, questioná-las e substituí-las por pensamentos mais equilibrados e funcionais. Dessa forma, a pessoa passa a se reconhecer como alguém digna de cuidado, limite e afeto — inclusive de si mesma.
Contextos traumáticos podem nos ensinar a amar de forma doente?
Sim. Em muitos casos, relações abusivas ou desequilibradas têm raízes em vivências passadas. Crianças que aprenderam que amor vem com esforço, que só são aceitas quando agradam ou que não podem desagradar para não serem rejeitadas, tendem a repetir esses padrões na vida adulta.
Esses contextos traumáticos podem ser reativados em relacionamentos atuais, especialmente quando o parceiro reproduz, mesmo sem querer, os mesmos papéis de autoridade, cobrança ou descuido emocional vividos na infância.
A terapia pode ajudar a reescrever essa história de um amor que adoece?
Definitivamente, sim. O processo terapêutico, especialmente quando combina abordagens como TCC, EMDR e Brainspotting, permite acessar esses registros emocionais profundos. Não apenas para compreendê-los racionalmente, mas para ressignificá-los em nível cerebral e corporal.
Essa combinação terapêutica potencializa o processo de cura, porque trabalha tanto a reorganização dos pensamentos conscientes quanto o processamento das experiências emocionais inconscientes. Assim, a pessoa não apenas entende que merece amor saudável, mas sente isso em seu corpo — e passa a agir a partir dessa nova verdade.
A maior lição sobre amar sem adoecer
Em síntese, amar não deveria doer. Não exige que alguém se apague para que o outro brilhe. E não há nada de bonito em se deixar de lado para sustentar um amor que não sustenta ninguém.
A maior lição talvez seja esta: só há presença verdadeira quando há presença de si. Em outras palavras, o amor começa quando eu me reconheço como um ser digno de cuidado. Tudo o que nasce no outro, só faz sentido se também encontra caminho de volta até mim.
Porque não é egoísmo se colocar em primeiro lugar. É sobrevivência emocional. Maturidade afetiva. O início de uma jornada em direção ao amor verdadeiro — aquele que não adoece, mas cura.
Sou Betila Lima – Psicóloga
Formada em Psicologia desde 2007, com formação em Neuropsicologia, Terapia Cognitiva Comportamental, Terapia de EMDR e Brainspotting.
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