Autocobrança excessiva e a sociedade do desempenho: quando viver vira exaustão

Autocobrança excessiva e a sociedade do desempenho: quando viver vira exaustão

Autocobrança excessiva é um dos sintomas mais evidentes de uma cultura que transformou o viver em tarefa. Em primeiro lugar, é preciso entender que essa cobrança não nasce apenas de expectativas individuais, mas é alimentada por uma lógica social que associa valor pessoal à performance constante — em todas as esferas da vida.

Antes de mais nada, vale lembrar: nem sempre foi assim. Houve um tempo em que o adoecimento era interpretado como mistério, até mesmo como castigo divino. Hoje, ele é lido como falha. Se alguém adoece, logo se pergunta onde errou: “Comi mal?”, “Trabalhei pouco?”, “Não dormi direito?”, “Desperdicei energia?”, “Gastei além da conta?”. Assim também acontece com a tristeza: se estou infeliz, suponho que não soube amar, que estraguei minhas relações, que não administrei bem minha saúde mental.

Ou seja, vivemos sob o jugo de dois fundamentalismos silenciosos: o científico e o psicológico. Ambos transformaram o sofrimento em sinal de falência individual. O neoliberalismo conseguiu algo sofisticado: tornou cada um responsável por tudo que sente — inclusive o que está fora do controle.

Autocobrança excessiva e a sociedade do desempenho: quando viver vira exaustão

Como a sociedade do desempenho molda nossa relação com a autocobrança e o sofrimento?

De acordo com o filósofo Byung-Chul Han, vivemos na era da sociedade do desempenho, em que o sujeito é, ao mesmo tempo, explorador e explorado de si mesmo. Isso significa que as pressões externas foram internalizadas — agora não há um patrão, mas uma voz dentro da cabeça que exige produtividade, leveza, positividade, forma física, espiritualidade, equilíbrio financeiro e sucesso emocional.

Em outras palavras, qualquer desvio da norma se transforma em culpa. A dor já não é vista como parte da vida, mas como sinal de falha de gestão pessoal. Logo, o sofrimento é patologizado. Não é mais algo a ser compreendido, mas corrigido, neutralizado, silenciado com fórmulas de autoaperfeiçoamento.

Quais os efeitos da autocobrança excessiva no corpo e na mente?

A autocobrança excessiva afeta profundamente o bem-estar emocional. Constantemente, indivíduos que vivem sob essa lógica apresentam:

  • Sentimento persistente de inadequação
  • Dificuldade de descanso verdadeiro
  • Ansiedade por não “ser o suficiente”
  • Vergonha por errar ou falhar
  • Incapacidade de sentir orgulho próprio
  • Perda de prazer em atividades simples

Ainda mais grave é a forma como isso se infiltra nas relações: a comparação constante, o medo de não corresponder às expectativas alheias, e o cansaço de tentar sustentar uma imagem impecável.

O que a neurociência e a neuropsicologia revelam sobre essa lógica de autocobrança?

A neurociência tem demonstrado que a exposição prolongada ao estresse da performance contínua ativa o eixo do estresse (HPA), elevando níveis de cortisol e afetando funções cognitivas como memória, regulação emocional e tomada de decisão. Isso significa que o corpo interpreta a autocobrança como ameaça real — e responde com exaustão física e mental.

Por outro lado, a neuropsicologia mostra que, quando o sentimento de valor está atrelado apenas ao desempenho, estruturas neurais ligadas à autoestima e ao senso de pertencimento tornam-se frágeis. Como resultado, o indivíduo vive em alerta constante, sentindo-se permanentemente em dívida consigo mesmo.

Como romper com esse ciclo de exaustão e cobrança?

A primeira chave é a consciência. É preciso perceber que há algo estrutural — não apenas pessoal — no modo como nos sentimos. Algumas dores não são sinais de fraqueza, mas marcas de um sistema que não permite pausa, falha ou dúvida.

Além disso, terapias que integram abordagens cognitivas e corporais têm mostrado grande eficácia nesse cenário. A terapia cognitivo-comportamental (TCC) permite identificar padrões rígidos de pensamento e substituí-los por narrativas mais autênticas e compassivas. Quando associada ao EMDR e ao Brainspotting, técnicas que acessam experiências traumáticas não verbalizadas, o processo terapêutico se aprofunda, dissolvendo tensões crônicas e liberando recursos internos de autorregulação.

Qual sabedoria pode emergir da angústia?

Em síntese, talvez a maior sabedoria que o sofrimento contemporâneo possa nos oferecer seja o lembrete de que a angústia não é defeito. Ela é, como dizia Freud, constitutiva da existência. É um sinal de que estamos vivos, conscientes e em contato com os limites da nossa humanidade.

Portanto, desacelerar não é desistir. É resistir. Escolher não reduzir a vida a uma planilha de metas e resultados. Abrir espaço para o incerto, o imperfeito e o verdadeiro. Permitir que o erro ensine, que o corpo descanse e que o coração, enfim, se escute.

Porque viver não é um projeto de sucesso. É uma experiência de presença.

O que é burnout?

Burnout é um estado de exaustão física, mental e emocional causado por uma exposição prolongada a situações de estresse intenso — especialmente ligadas ao trabalho, à produtividade e à sensação de não dar conta. A princípio, ele pode parecer apenas cansaço acumulado. Mas, com o tempo, evolui para uma condição de esgotamento profundo, que afeta diretamente a capacidade de concentração, o equilíbrio emocional e até o sistema imunológico.

Apesar disso, o burnout não nasce do excesso de tarefas apenas — mas da falta de sentido, de reconhecimento e de espaço para ser vulnerável. É o colapso de um sistema interno que acreditou por tempo demais que precisava aguentar tudo. Que não podia parar. Que era fraco se precisasse de ajuda.

Em outras palavras, é quando o sujeito, explorado por si mesmo, chega ao limite da autossuficiência forçada. As tarefas mais simples se tornam pesadas. O entusiasmo desaparece. A motivação se dissolve. E, muitas vezes, junto com ela, a autoestima.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o burnout é reconhecido como um fenômeno ocupacional, não como um transtorno mental. Isso significa que ele está diretamente ligado ao ambiente, às relações e às pressões sociais — e, portanto, precisa ser cuidado com seriedade, empatia e intervenções terapêuticas adequadas.

Reconhecer o burnout é um passo essencial para resgatar a dignidade emocional em tempos que nos exigem mais do que podemos — e nos culpam por não conseguirmos entregar tudo.

Quando é hora de procurar ajuda com terapia, pois o burnout está chegando?

Eventualmente, a linha entre a autocobrança excessiva e o burnout se torna tênue. Às vezes, o corpo avisa antes da mente — através de insônia, dores persistentes, taquicardia, exaustão ao acordar ou lapsos de memória. Outras vezes, é o emocional que grita em silêncio: apatia, irritabilidade, sensação de estar sempre devendo algo, mesmo após um dia inteiro de esforço.

Nesse meio tempo, muitas pessoas continuam adiando o cuidado com a saúde mental porque acreditam que precisam apenas “se organizar melhor”. No entanto, essa é justamente uma armadilha da sociedade do desempenho: acreditar que tudo é questão de mais esforço pessoal. Quando, na verdade, o que falta é descanso, escuta, pausa e acolhimento.

Se você percebe que está perdendo a capacidade de sentir prazer, que tudo virou obrigação e que até respirar parece um ato pesado, talvez seja o momento de buscar apoio profissional. A terapia não é um luxo, é uma forma de reconexão com aquilo que nos torna humanos.

Combinada à terapia cognitivo-comportamental, técnicas como EMDR e Brainspotting podem ajudar a dissolver gatilhos inconscientes que mantêm o ciclo de autocobrança. Em outras palavras, elas permitem que o corpo e a mente reconheçam que não é preciso viver em estado de alerta para ser digno de existir.

Aceitar ajuda não é sinal de fraqueza. É sinal de sabedoria emocional. É o início de uma cura que não busca voltar a funcionar — mas voltar a sentir.

Sou Betila Lima – Psicóloga

Formada em Psicologia desde 2007, com formação em Neuropsicologia, Terapia Cognitiva Comportamental, Terapia de EMDR e Brainspotting.

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